Autoria

Bruno Costa: Farmacêutico do Centro de Apoio à Terapia Racional pela Informação sobre Medicamentos (CEATRIM).

Lattes iD: 

Juliana Vianna: Estagiária do Centro de Apoio à Terapia Racional pela Informação sobre Medicamentos (CETRIM).

Lattes iD: 

A talidomida, (Figura 1) foi descoberta em 1953 pela empresa farmacêutica alemã Grunenthal, ela apresentava boas propriedades hipnóticas e sedativas, tornando-se uma interessante alternativa aos medicamentos da classe dos barbitúricos, para sintomas como irritabilidade, falta de concentração, ansiedade, insônia, hipertiroidismo e até mesmo doenças infecciosas1.

Em 1957 a talidomida obteve sua aprovação para o tratamento de náuseas e vômitos (sintomas muito comuns nos primeiros meses de gestação) em países como Alemanha, Inglaterra, Canadá2.

Figura 1. Os 2 enantiômeros da talidomida e seus respectivos efeitos.

Inicialmente o sucesso terapêutico foi tão grande, que a talidomida chegou a se tornar o medicamento mais vendido no mundo, inclusive, sendo anunciada como completamente segura e exportada para mais de 80 países1,2.  

Porém, relatos de abortos espontâneos e principalmente de recém-natos apresentando de más formações congênitas graves começaram a surgir. Dentre elas, podemos destacar anomalias no desenvolvimento dos membros como focomelia, dismelia, amelia, hipoplasia óssea (Foto 1)3

Foto 1. Caso de recém-nascido com má formação nos membros (Hill, M.A, 2016).

Foi somente em 1961, que dois médicos independentes, um nos Estados Unidos e outro na Austrália confirmaram as suspeitas, a talidomida era a responsável por causar a teratogenia grave em bebês de mães que a utilizaram nos primeiros meses de gestação5,6.

     Posteriormente a talidomida foi retirada do mercado em 1962, e como consequência obtivemos uma drástica diminuição deste tipo de má formação. No Brasil, o medicamento foi retirado somente em 19655.

Como pode-se observar na figura 1, quimicamente o medicamento talidomida era composto por 50% das moléculas com a orientação (S), que ocasionava o efeito teratogênico, e 50% das moléculas possuíam a orientação (R), que possuía o efeito terapêutico desejado5,6.

Ao longo dos anos, sabe-se que houve ao menos mais de 10.000 relatos de recém-nascidos com más formações foram relatados. Este caso ficou conhecido como o “desastre da talidomida”1.

A importância dos estudos de farmacovigilância, ciência e conjunto de atividades que identifica, avalia, compreende e previne efeitos adversos ou problemas associados ao uso de medicamentos, tornou-se evidente com o caso da talidomida7.

Estes estudos permitem a detecção precoce de efeitos adversos e a implementação de medidas corretivas, como até mesmo a proibição da venda do medicamento4,7 e 8

Hoje, a talidomida é usada com sucesso no tratamento de algumas condições médicas, incluindo hanseníase, mieloma múltiplo, cânceres, e algumas complicações do HIV3.

Em 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, emitiu uma Resolução para controle de medicamentos contendo a talidomida, com a intenção de promover um maior controle sobre o medicamento9,10.  

Ainda se debate se esta tragédia poderia ter sido evitada, mas é inegável que o “desastre da talidomida’ impulsionou fortes mudanças nos testes necessários para o lançamento de novos fármacos pelas companhias farmacêuticas e na fiscalização pelos governos.

A partir deste evento, requisitos mais exigentes foram estabelecidos para a aprovação de novos fármacos, sempre visando disponibilizar para a população medicamentos mais seguros e eficazes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Pannikar, V. (2003). The return of thalidomide: new uses and renewed concerns. Leprosy Review, 74(3), 286–288. Retrieved from http://www.who.int/lep/research/Thalidomide.pdf.
  2. E. Franks, G.R. Macpherson, W.D. Figg.Thalidomide.Lancet, 363 (2004), pp. 1802-1811http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(04)16308-3.
  3. Vargesson N. Thalidomide-induced teratogenesis: history and mechanisms. Birth Defects Res C Embryo Today. 2015 Jun;105(2):140-56. doi: 10.1002/bdrc.21096. Epub 2015 Jun 4. PMID: 26043938; PMCID: PMC4737249.
  4. Moro A, Invernizzi N. A tragédia da talidomida: a luta pelos direitos das vítimas e por melhor regulação de medicamentos. Hist cienc saude-Manguinhos [Internet]. 2017Jul;24(3):603–22. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-59702017000300004. Acesso em: 30 ago. 2024.
  5. SPEIRS A. L. (1962). Thalidomide and congenital abnormalities. Lancet (London, England)1(7224), 303–305. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(62)91248-5
  6. WARD SP. Thalidomide and congenital abnormalities. Br Med J. 1962 Sep 8;2(5305):646-7. doi: 10.1136/bmj.2.5305.646. PMID: 14004945; PMCID: PMC1925989.
  7. Silvestre Gisele, Tragédia da talidomida – Divisor de águas na regulamentação de medicamento Química da ciência, Disponível: https://www.blogs.unicamp.br/quimikinha/2018/05/07/tragedia-da-talidomida-divisor-de-aguas-na-regulamentacao-de-medicamento/ Acesso: 03/09/2024
  8.  FARMACOVIGILÂNCIA. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/fiscalizacao-e-monitoramento/farmacovigilancia#:~:text=Farmacovigil%C3%A2ncia%20%C3%A9%20uma%20ci%C3%AAncia%20e,associados%20ao%20uso%20de%20medicamentos. Acesso em: 30 ago. 2024.
  9. O que é a talidomida? Associação brasileira de portadores da síndrome da talidomida. Disponível: 3/09/2024, disponível: http://www.talidomida.org.br/
  10. RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC Nº 11, DE 22 DE MARÇO DE 2011. Dispõe sobre o controle da substância Talidomida e do medicamento que a contenha. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, Disponível: file:///C:/Users/User/Downloads/RESOLUO%20DA%20DIRETORIA%20COLEGIADA%20%20RDC%20N%2011%20DE%2022%20DE%20MARO%20DE%202011.PDF Acesso: 05/09/2024
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