Nesta edição do “meDICASmento”, falaremos sobre a importância das gestantes e dos profissionais de saúde se manterem bem informados para promoverem o uso seguro de medicamentos.
A utilização de medicamentos traz sempre a reflexão sobre seu risco-benefício, uma vez que existe uma chance de danos à saúde. Quando se trata do uso de medicamentos na gestação, essa probabilidade de risco é ainda maior, considerando o íntimo envolvimento da gestante e do feto.
Considerando que a gestação pode ser considera uma situação de alerta, o uso de medicamentos nessa etapa de vida deve ser avaliado com cautela, ou seja, a segurança da mãe e do feto devem ser prioridade quando pensamos numa farmacoterapia racional.
Ainda que a maioria das mulheres faça uso de medicamentos durante a gravidez, as informações de segurança no pré-comercialização para essa população são limitadas, frente à dificuldade na obtenção de dados referentes ao uso de medicamentos em gestantes durante os ensaios clínicos randomizados.
Os dados de segurança que possuímos são oriundos de estudos observacionais e notificações aos serviços de farmacovigilância que somente irão surgir após a comercialização e uso dos medicamentos por essa população.
Logo, quando um novo medicamento é lançado no mercado, as informações iniciais disponíveis sobre seu uso durante a gestação referem-se basicamente aos estudos realizados em animais, sendo que a avaliação interespécies de teratogenicidade pode ser falha e pouco preditiva.
Um bom exemplo foi o triste incidente da talidomida, durante as décadas 50 e 60. Esse medicamento utilizado, então, como sedativo e antiemético, foi muito indicado para controle de náuseas, comuns no primeiro trimestre da gestação, e, apesar da baixa toxicidade demonstrada em estudos envolvendo animais, o aumento significativo do número de bebês nascidos com graves malformações congênitas desencadeou novos estudos que comprovaram o efeito teratogênico do medicamento.
Depois da ocorrência da talidomida, a atenção passou a ser voltada para o fato de que muitos medicamentos utilizados por gestantes atravessam a barreira placentária, e, portanto, atingem a circulação fetal.
. As alterações fisiológicas que ocorrem no corpo durante a gestação, como aumento do volume sanguíneo, variações de pressão arterial e mudanças nas funções renais e hepáticas, também devem ser consideradas para selecionar medicamentos mais seguros para a gestante, bem como proporcionar monitoramento adequado e ajustes de doses para garantir a efetividade e segurança da farmacoterapia.
Além disso, o estágio de desenvolvimento fetal pode determinar a segurança do uso de determinado fármaco ou não. Os três primeiros meses são os mais significativos na formação do feto e, portanto, requerem maior cautela no uso de qualquer tipo de medicamento.
Nesse período, destaca-se a limitação de atuação dos profissionais de saúde decorrente do frequente desconhecimento das mulheres acerca de sua gestação logo em seu início.
Isso reforça a importância das ações proativas dos profissionais que, antes da prescrição, dispensação e administração de medicamentos, devem coletar histórico completo da saúde de mulheres em período reprodutivo, e solicitando testes de gravidez antes da prescrição de medicamentos com alto risco durante a gestação, sobretudo medicamentos teratogênicos.
Ao longo dos anos a teratogenicidade tem sido o dano relacionado ao uso de medicamento durante a gestação mais estudado. Efeitos teratogênicos geralmente ocorrem no início da gestação (entre a 2ª e 8ª semana pós- concepção), causando alteração no desenvolvimento e formação de tecidos e órgãos fetais, como malformação cardíaca, do tubo neural, ou do palato.
Além da talidomida, outros medicamentos que causam malformação fetal são: metotrexato; isotretinoína; lítio; valproato; tetraciclina; inibidores da enzima conversora de angiotensina, como o enalapril e captopril; e antifúngicos azólicos, como o fluconazol e tioconazol.
Nesse sentido, a forma de classificar os riscos do uso de medicamentos durante a gestação também tem evoluído. Uma das classificações mais conhecidas no mundo, utilizada desde 1979, era a categorização por letras do FDA (US Food and Drug Administration), que organizava os medicamentos em cinco categorias (A, B, C, D e X), descritas no Quadro 1, sendo a categoria X de risco na gestação considerada como medicamento potencialmente perigoso de uso ambulatorial.
QUADRO 1 – CLASSIFICAÇÃO DO RISCO DO USO DE MEDICAMENTOS DURANTE A GESTAÇÃO DE ACORDO COM A CATEGORIZAÇÃO POR LETRAS
CATEGORIA |
CARACTERÍSTICAS DA SEGURANÇA DO MEDICAMENTO |
A |
Em estudos controlados em mulheres grávidas, o fármaco não demonstrou risco para o feto no primeiro trimestre de gravidez. Não há evidências de risco nos trimestres posteriores, sendo remota a possibilidade de dano fetal. |
B |
Os estudos em animais não demonstraram risco fetal, mas também não há estudos controlados em mulheres grávidas; ou então, os estudos em animais revelaram riscos, mas que não foram confirmados em estudos controlados em mulheres grávidas. |
C |
Não foram realizados estudos em animais e nem em mulheres grávidas; ou então, os estudos em animais revelaram risco, mas não existem estudos disponíveis realizados em mulheres grávidas. |
D | O fármaco demonstrou evidências positivas de risco fetal humano, no entanto, os benefícios potenciais para a mulher podem, eventualmente, justificar o risco, como, por exemplo, em casos de doenças graves ou que ameacem a vida, e para os quais não existem outros fármacos mais seguros. |
X |
Em estudos em animais e mulheres grávidas, o fármaco provocou anomalias fetais, havendo clara evidência de que o risco para o feto é maior do que qualquer benefício possível para a paciente. |
Erros envolvendo uso de medicamentos em gestantes e medidas de prevenção de erros devem ser intensificadas entre gestantes, pois configuram um grupo de pacientes cujo uso de medicamentos envolve alto risco.
Dessa forma, deve-se garantir que a prescrição de medicamentos para gestantes seja feita apenas quando estritamente necessário e que os medicamentos sejam os mais seguros, além da adoção de estratégias de revisão da prescrição quanto aos critérios de contraindicação, dupla checagem independente da dispensação e administração.
Por outro lado, ressalta-se que medicamentos isentos de prescrição são frequentemente utilizados por gestantes, que desconhecem os riscos envolvidos. Apesar de grande parte dos medicamentos isentos de prescrição serem considerados seguros durante a gestação, para muitos ainda faltam estudos que confirmem cientificamente essa segurança.
Por isso, reforça-se a importância dos profissionais de saúde se manterem atualizados quanto à segurança desses medicamentos e orientem gestantes a não utilizarem medicamentos sem orientação adequada.
RECOMENDAÇÕES GERAIS PARA PROMOVER O USO SEGURO DE MEDICAMENTOS DURANTE A GESTAÇÃO
- Priorizar o uso de fármacos que passam pouco pela barreira placentária.
- Priorizar o uso de medicamentos para os quais já existam mais estudos publicados e que estejam em uso há mais tempo, evitando aqueles recém-lançados e com poucas informações de segurança.
- Evitar o uso de medicamentos que não sejam realmente necessários, incluindo a prescrição de combinações fixas de fármacos desnecessários (ex.: paracetamol + cafeína; paracetamol + clorfeniramina + fenilefrina).
- Evitar medicamentos cujo uso possa ser postergado para após a gestação (ex.: sibutramina).
- Evitar a polifarmácia sempre que possível.
- Evitar tratamentos prolongados e priorizar as terapias de curto prazo.
- Orientar gestantes para que o uso de medicamentos seja feito somente quando necessário e com a correta prescrição de profissionais de saúde habilitados.
- Orientar as gestantes sobre a necessidade de seguir os tratamentos prescritos pelos profissionais de saúde a fim de proporcionar uma gravidez mais segura e o desenvolvimento saudável do feto.
- Orientar a gestante para não se automedicar caso apresente dor, cólicas, náusea ou desconforto, devendo procurar um profissional de saúde para avaliação e tratamento, que podem incluir medidas farmacológicas seguras durante a gestação, bem como medidas não farmacológicas para minimizar a demanda por medicamentos para seu manejo.
- Promover a educação em saúde de gestantes para emponderá-las quanto ao uso de medicamentos durante a gestação.
Referências:
World Health Organization. Breastfeeding and Maternal Medication: Recommendations for Drugs in the Eleventh WHO Model List of Essential Drugs [Internet]. Geneva: World Health Organization, 2002. [acesso em 18/06/2024]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/ bitstream/handle/10665/325131/WHO-UHC-SDS-2019.10-eng.pdf?sequence=1.
FDA. Dood and Drug Administration. Medicine and Pregnancy [Internet]. 2019. [acesso em 18/06/2024]. Disponível em: https://www. fda.gov/consumers/free-publications-women/medicine-and-pregnancy.
EMA. European Medicines Agency. Pharmacovigilance Risk Assessment Committee. PRAC recommendations on signals . [acesso em 18/09/2024]. Disponível em: https://www.ema.europa.eu/en/documents/prac-recommendation/pracrecommendations-signals-adopted-8-11-july-2019-prac-meeting_en.pdf
COG. American College of Obstetricians and Gynecologists. Women’s Health Care Physicians [Internet]. 2019. [acesso 18/06/2024]. Disponível em: https://www.acog.org/?IsMobileSet=false
INCA. Meirelles RHS. I Encontro de Profissionais de Saúde para Abordagem e Tratamento do Tabagismo na Rede SUS. Tabagismo e Gestante [Internet]. [acesso em 18/06/2024]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/tabagismo_gestante.pdf
Autor:
Bruno Paulino de Lima Costa